Após o rompimento da barragem, ou como diria os capixabas, após a barragem "pocar", com cerca de três aflitos dias a população espírito santense foi inundada com a lama de rejeitos da barragem de fundão no Rio Doce, atingindo os municípios de Baixo Guandú, Colatina, Marilândia e Linhares.
O drama vivido no Espírito Santo reafirma que o crime afetou pessoas que estavam muito longe do empreendimento. Não foi um desastre espacial, mas temporal. Não é possível ter estimativas do tempo de recuperação da região e de sua produtividade com efeitos difíceis de serem quantificados.
Os danos atingiram setores vários, como da economia, do turismo, da agricultura, do comércio, gerando uma desconfiança generalizada bem como impactos emocionais.
* Agricultura
Todos os municípios atingidos compartilham a prática da agricultura. Desde a de subsistência, passando pela familiar (que abastece o mercado interno por meio das feiras e mercados) até o
plantation, com a monocultura de café e mamão, por exemplo. Deste modo, o preço de muitas mercadorias provenientes do campo aumentou (isso quando a mercadoria não vinha a faltar). Ocorreu ainda a falta de mercadoria para exportação - a qual auxilia a manter a balança comercial favorável - e deixou muitas pessoas em situação de dívidas nos bancos. Imagine a situação de muitos José's que vivem da agricultura, tendo-a como único modo de ganha pão. Eles vão ao banco, fazem empréstimos, compram irrigação, agrotóxicos; pagam mão de obra para plantar; acordam cedo e trabalham de sol a sol. Contam com o auxílio da natureza para mandar chuva e assim terem água para tocar o seu negócio. Na hora de irrigar suas plantações, e posteriormente colher e devolver o dinheiro ao banco, são impossibilitados devido ao crime. É desolador.
* Pescado
Os pescadores deixaram de pescar (na teoria, pois na prática muitos dependem dos peixes para se alimentarem). Parece simples dizer que o problema cessa apenas com a população deixando de pescar e de consumir o pescado, mas os peixes dali extraídos eram utilizados para constituição de ração animal. Deste modo, a contaminação dos peixes afeta uma outra cadeia, a dos animais a consumirem a ração. Isto promove altas chances de casos de câncer, um legado perverso deixado às próximas gerações.
Além disso, as pessoas que alugavam freezers na alta temporada bem como os artesãos de redes de pesca e de anzóis também são afetados, impedindo a economia de se desenvolver uma vez que limita o capital de giro.
Perpetua-se assim, o sentimento de insegurança alimentar e a complexidade nas relações sociais.
Ainda relacionado às comunidades pesqueiras, um dos problemas que ocorre é o tédio. O cartão de dinheiro apenas não resolve os problemas, uma vez que uma atividade de vida foi interrompida sem deposição de outra atividade no lugar. É comum encontrar pescadores bêbados sentados nos barcos. Ocorreu aumento nos casos de violência doméstica, de prostituição e como consequência a quebra na estrutura familiar. Tudo isto permeado de insegurança, desconfiança e medo.
*Regiões Litorâneas; Turismo
O turismo foi diretamente afetado, visto que os rejeitos após desaguarem no mar atingiram todo o litoral capixaba. E mesmo com a informação de que as praias estavam próprias para banho, muitas famílias trocaram o programa de verão com medo e desconfiança, os quais permanecem um ano após o ocorrido. O balneário de Pontal do Ipiranga, em Linhares, é um exemplo. Visitei o local no feriado de 12 de outubro de 2013. Apesar de ser feriado, o balneário estava vazio. Apenas a população nativa estava no local. O dinheiro da comunidade é arrecadado apenas na alta estação. Após o ocorrido, a renda de muitas famílias foi comprometida, visto que aguardavam o dinheiro a ser arrecadado no mês que sucedia a tragédia. Isso não só em Pontal, mas em todo litoral capixaba.
Além disso, há comunidades em que funcionários da Samarco visitam os locais tingidos todos os dias de modo a coletar amostrar e fazer registos. Sem diálogo com a população, estes profissionais provocam o sentimento de vigilância e monitoramento contínuo, gerando uma alienação em massa.
* Comunidade Maria Ortiz - Colatina
Este bairro localiza-se a cerca de 5 passos da ferrovia da compania da Vale. A população ribeirinha sempre conviveu com a ferrovia passando todos os dias, poluindo as casas com minério bem como contribuindo para a poluição sonora.
As mães mandavam os filhos brincarem "do outro lado", oposto à ferrovia. Em contrapartida, no último ano as mães deixaram de orientar isto, pois, "o outro lado" agora encontra-se o rio inundado de lama de rejeitos.
Não há mais lado para que as crianças brinquem nem sossego para as mães.
A empresa explora e impacta a região nas duas margens da sociedade.
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Ainda em Colatina, há um resistência em reconhecer que a água é própria para consumo. A cidade permanece desconfiada da qualidade da água apesar de existirem laudos técnicos que mostram o contrário. Há necessidade de comprovações científicas para sustentar que não há mais riscos, mas mesmo assim, a sociedade resiste em se submeter a mais riscos.
Uma amiga de Colatina, gastou 6 meses com um tratamento de pele bárbaro. O rosto parecia de uma princesa. Após encerrado o tratamento (e do pagamento), ocorreu a tragédia, e a qualidade da água para banho era terrível. Repleta de cloro, com cor, cheiro e gosto. A pele de Barbie passou a ter alergias.
E os danos não param por aí. Há pesquisadores do Reino Unido que estão a fazer o estudo da contaminação das águas subterrâneas. Fica mais que evidente que este um ano de tragédias decorrente do crime se perpetuará por incontáveis outros anos.
Como se não bastasse, instituições judiciais mantiveram-se neutras diante do acontecimento. Muitos executivos simplesmente abandonaram o caso. E pior, passaram para a empresa a responsabilidade e o poder de como será feito o processo de reparação. Assim, os termos são dados pela empresa, dando a ela o domínio não apenas do controle da situação, mas do tempo das pessoas que ficaram diretamente dependentes das decisões a serem tomadas.
Adéquo aqui uma frase utilizada na geologia: "Do continente ao mar, tudo é mudança".
Confira mais no acervo digital lançado ontem:
http://riodocevivo.omeka.net/
Deixo a minha solidarização ao meu querido povo capixaba,
Namaskar.